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A Delação Premiada Como Reflexo De Comodidade Estatal

02 ago. 2020 - Brasil, Curitiba

É fato notório que o instituto da delação premiada veio trazer um up para as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil e ganhou destaque em um momento socioeconômico limitado.

Em grande parte, na mesma proporção em que a sociedade brasileira estava diante de uma verdadeira crise econômica decorrente de fatores diversos, e que, gize-se, não ocorrendo só no Brasil mas com várias outras economias a nível global, a população se deparou com a Operação Lava-Jato a qual teve em seu bojo a delação premiada como a pedra fundamental para seu desdobrar bem sucedido, pois foi o que permitiu a ruptura da cortina teatral que ocultava a rede de corrupção sistemática enraizada na colcha política do país.

Tais desdobramentos, com prisões de grandes nomes da política e do meio empresarial, só foram possíveis em razão de acordos judiciais mediante delação de investigados e processados que, para a obtenção de vantagens pessoais, onde despejaram todas as “falcatruas” que envolviam dezenas de cidadãos que estavam em posições política e econômica de alto escalão dentro da sociedade brasileira.

Contudo, apesar dos benefícios que o instituto da delação premiada permite alcançar, vez que se identificam características que espelham falhas e deficiências do sistema investigativo e judicial.

Entretanto, em face das diversas lacunas não há um padrão e nem garantias para a elaboração de um acordo dentro das configurações permitidas pelo ordenamento jurídico, pois que não estipulado ou predefinido pelo legislador, restando tal encargo ao Poder Judiciário, cabendo ao bel prazer, entendimento e conveniência do magistrado a homologação da negociata penal.

Com a massiva exploração midiática, tal temática assumiu papel de destaque no meio social, e, mesmo com suas controvérsias, o instituto da delação premiada tem refletido em instrumento capaz de gerar inúmeros benefícios para o Estado, sem que isso represente necessariamente um benefício para a sociedade. Por esta razão, se faz necessária uma reflexão acerca de sua aplicabilidade e alcance.

Não se olvide que a delação premiada se traduziu em efetivos resultados positivos para desembaraçar a operação lava jato e ainda se constata ampla utilização hodiernamente.

De qualquer sorte, se os resultados obtidos por meio da utilização da delação premiada são promissores para atingir o objetivo final que é esclarecer, através da verdade contada pelo próprio criminoso envolvido, também traz reflexões necessárias especialmente ao fomentar certo comodismo do Estado.

Sim, comodismo, pois acaba se revelando como o atalho para que o Estado chegue no cerne das investigações, que através do caminho normal por meio do seu corpo profissional qualificado demandaria tanto mais tempo quanto mais recursos estatais, seja ele humano ou financeiro.

É nesse compasso que a delação premiada acaba por se tornar prioridade e, muitas vezes, um verdadeiro estímulo em detrimento dos esforços reais para se chegar por meios legais e oficiais postos à disposição da polícia e da justiça, a fatos, evidências e provas do caso concreto, pois é muito mais “fácil” e cômodo receber todas as informações de “bandeja”.

Isso porque, ao se analisar como as informações podem ser obtidas facilmente pelo Estado, o que reluz é a rapidez com que profundas investigações são concluídas através de cidadãos que cometeram crimes mas poderão receber benesses através do ato de “dedurar” comparsas consigo envolvidos, inclusive delatar de forma indireta, pois “sabe como a coisa funcionava”.

Nesse manto, há expressiva redução no trabalho estatal e, por consequência, muitas vantagens serão concedidas àqueles que, ao retornarem para o seio da sociedade mais rapidamente (nem por isso aceitável), certamente poderão reincidir na mesma conduta reprovável e criminosa de outrora, funcionando assim como um verdadeiro estímulo à reincidência delitiva.

Nesse cenário, se faz importante considerar que a criminalidade, de maneira geral, pode estar em verdadeira expansão com o incentivo da delação premiada, pois tem como aliada a prostração estatal, na medida em que resolver crimes mais complexos exige maiores custos operacionais e tecnológicos além de longos e desgastantes períodos de investigação, portanto a delação premiada acaba por favorecer a celeridade e “menor preço” na resolução da investigação somada à imputação da culpa ao infrator “dedurado” que, por sua vez, também vai “delatar” outros.

Dadas as condições sociais e econômicas do panorama brasileiro, reside como conclusão lógica uma série de indagações relacionadas com a efetividade da utilização do instituto da Delação Premiada. Outrossim, não se questiona sua utilização como instrumento investigativo-coercitivo, mas sim a possibilidade de que a sua aplicação como primeira metodologia e não como um instrumento de apoio, como foi previsto pelo legislador por ocasião de sua elaboração.

Por já se encontrar consolidado no ordenamento jurídico brasileiro, quando se trata de casos expressivos e de grande repercussão social e midiática os vícios acabam por serem refletidos, contudo, o que falar dos casos que não possuam relevância ou atenção da sociedade jornalística?

Nesse sentido os juristas, militantes da advocacia, magistrados e membros do Ministério Público precisam se revestir do papel fiscalizador a fim de evitar abusos e prejuízos à sociedade, bem como possível agressão às garantias constitucionais do cidadão infrator e delator.

REFERÊNCIAS

BOENG, Úrsula. Apontamentos acerca do instituto da delação premiada. Monografia (Graduação em Direito) – UFPR, 72 p. Curitiba, 2007. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2020.

BONFIM, E. M. Curso de processo penal. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012.

_____. Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Disponível em: . Acesso em: 07 ago. 2020.

SARCEDO, Leandro. A delação premiada e a necessária mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo-RIASP, ano 14, v. 27, jan./jun. 2011, p. 191-205. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2020.

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